PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
QUINZE DE NOVEMBRO
DE 1889. O marechal Deodoro da Fonseca, no Campo de Santana, no Rio, reúne
600 militares e uns poucos civis para destituir a Monarquia brasileira, sem
derramar uma gota de sangue. Em cerimônia improvisada na Câmara Municipal
carioca, a República é proclamada. Chegado o momento das comemorações,
constata-se que não há símbolos para celebrar a mudança de regime. Canta-se
"A Marselhesa", hino da França, e é hasteada uma bandeira com desenho
semelhante à americana nas cores verde e amarelo. É urgente, percebem os republicanos,
substituir os símbolos do regime.
Como narram os
jornais da época, o povo brasileiro mal entendia o que se passava. Deodoro da
Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Silva Jardim,
protagonistas do movimento republicano que Brasil, eram pouco conhecidos dos
brasileiros. "Ninguém parecia muito entusiasmado", anotou o
correspondente do New York Times. "O povo assistiu àquilo bestializado,
atônito, surpreso, sem conhecer o que aquilo significava", escreveu
Aristides Lobo no Diário Popular.
Na tentativa de
conquistar o apoio da população até então alheia a troca de regime, os
republicanos esforçaram-se nos meses seguintes para criar e difundir marcas da
República – e apagar vestígios do Império de D.Pedro II. Cidades se encheram de
estátuas e outros monumentos à República. Ruas, praças e repartições com
referências à monarquia mudaram de nome. Mas as grandes apostas de exaltação da
República seriam: uma nova bandeira, um novo hino e um novo herói – ou quase
isso.
Assim como outros embates travados nos
primeiros dias da República, foi marcada pelo conflito entre três correntes
ideológicas: o jacobinismo (ligado à Revolução Francesa), o positivismo e o
liberalismo. Partidários dessa última escola chegaram a cogitar uma bandeira
brasileira semelhante à americana, com listras horizontais amarelas e verdes e
um quadrado do lado esquerdo com as estrelas das federações. Como a proclamação
fora liderada por militares positivistas e jacobinos, não caiu nada bem a ideia
de subordinar o estandarte brasileiro ao norte-americano.
Outras versões
foram propostas por defensores das diferentes vertentes ideológicas em conflito
(veja abaixo). No fim, a vitória coube aos positivistas, que optaram por manter
as cores e formas básicas da bandeira monárquica, retirando os emblemas
imperiais: a cruz, a coroa, os ramos de café e tabaco. As estrelas, mantidas
por insistência dos liberais, por lembrar a flâmula americana, foram colocadas
em um círculo. E tascaram a mais positivista das inscrições: “Ordem e
Progresso”. A obra foi do pintor Décio Villares.
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Verde - A Casa de Bragança (Dom Pedro
I)
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Amarelo - A Casa de Habsburgo (Dona
Leopoldina)
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Losango - Remete às bandeiras do
exército napoleônico
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Brasão azul com a esfera armilar - Presente
desde a bandeira do Principado do Brasil, remete à tradição portuguesa
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Cruz vermelha - Referente à ordem de Cristo
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Anel azul carregado com 20 estrelas de prata - Referentes
às 20 províncias do Brasil
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Dois ramos - um de café, o outro de
tabaco, representando a agricultura brasileira
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Verde e amarelo - Interpretações a posteriori
atribuíram as cores às riquezas naturais e minerais do país. Essa explicação,
porém, não constava da justificativa de Teixeira Mendes para a nova bandeira
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Estrelas no céu azul - Reprodução
do céu do Rio de Janeiro na manhã de 15 de novembro de 1889, com as estrelas
representando os Estados da Federação
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"Ordem e Progresso" - A
influência dos positivistas na proclamação da República. Augusto Comte (1798-1857),
principal ideólogo do positivismo, escreveu: “O amor por princípio, a ordem por
base, e o progresso por fim”. No caso brasileiro, deixaram de fora o amor.
Coube a Teixeira Mendes, um filósofo positivista, a
tarefa de justificar o emblema. Escreveu: “...o símbolo nacional devia manter
do antigo tudo o que pudesse ser conservado, de modo a despertar em nossa alma
o mais ardente culto pela memória de nossos avós. Mas, por outro lado, devia
também eliminar tudo quanto pudesse perturbar o sentimento da solidariedade
cívica, por traduzir crenças que não são mais partilhadas por todos os
cidadãos. Foi justamente o que se fez.”
O símbolo não foi aceito por todos. Duas polêmicas
foram levantadas à época: um astrônomo contestou as dimensões do Cruzeiro do
Sul na bandeira, dizendo que o eixo da constelação em relação ao polo sul
estava invertido (o erro foi comprovado e a bandeira que usamos hoje foi
modificada para corrigi-lo). Outra controvérsia foi que o bispo do Rio de
Janeiro se recusou a abençoar a nova bandeira por causa da divisa "Ordem e
Progresso". Para ele, tratava-se de apologia à Igreja positivista.
No final, apesar da inspiração positivista, as
cores da bandeira monárquica foram preservadas: o verde e o amarelo, a despeito
de interpretações posteriores que tentam ligá-los às riquezas naturais do país,
remetem originalmente às casas imperiais de Bragança e Habsburgo.
Velho novo hino
POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, a manutenção
do hino nacional monárquico foi uma vitória popular. Proclamado o novo regime,
não havia uma composição oficial para glorifica-lo. A primeira adotada nos
eventos oficiais foi A Marselhesa, emprestada da Revolução Francesa. O governo
abriu então um concurso para a escolha de um novo hino. Mas um evento popular
acabou mudando os rumos dessa história.
Em uma manifestação
militar em 15 de janeiro de 1890, ao ouvir novamente A Marselhesa e outras marchas militares, a
multidão começou a pedir, como quem pede "toca Raul!", pelo velho
hino nacional. Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, decidiu
deixar rolar. Há relatos de que presentes até choraram de emoção.
Na audição pública do concurso que
havia sido marcado, conta-se que a qualidade média das canções era sofrível.
Resultado: se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, o hino fica. A
composição de Francisco Manuel da Silva,de 1822, foi mantida e a ela foi
acrescentada letra de Joaquim Osório Duque-Estrada.
O concurso do governo para o hino
nacional tornou-se, então, uma disputa para eleger certo hino da proclamação da
República. Em 20 de janeiro de 1890, membros do governo provisório e uma
plateia que lotou o auditório do Teatro Lírico reuniram-se para escolher o
vencedor. Ganhou a composição de Leopoldo Miguez, para letra de Medeiros e
Albuquerque, cujo refrão diz: 'Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós!'
Após a execução do novo hino da
Proclamação da República, o povo puxou o hino nacional, como acontecera no
evento militar dias antes. Não tinha para ninguém contra o maior hit do
patriotismo brasileiro.
A invenção de um herói
OS PRINCIPAIS IDEALIZADORES DA
REPÚBLICA, Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Benjamin Constant, não eram
figuras conhecidas além dos círculos militares. A pouca participação popular
tornava difícil a consagração de um mito, importante para a aceitação do novo
regime. "Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e
aspirações, pontos de referências, fulcros de identificação", escreveu o
historiador José Murilo de Carvalho.
Tiradentes, único dos inconfidentes
mineiros condenado à morte, surpreendentemente, caiu como uma luva para o papel
de herói.
O mito em torno de sua figura foi
criado após sua morte. O mineiro passara quase um século na obscuridade, como
traidor da monarquia. Como não havia registros de sua imagem e seus
pensamentos, a República teve liberdade para criá-los: tornou-se um idealista
pela liberdade do Brasil e suas representações passaram a se assemelhar com as
da figura de Cristo — cabelos longos, castanhos, olhar cândido, vestes brancas,
crucifixo no peito.
A República se apropriou de
Tiradentes como o mártir da República. Foi a mais eficaz das tentativas dos
republicanos na construção de um imaginário para o novo regime.