terça-feira, 15 de novembro de 2016

PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

QUINZE DE NOVEMBRO DE 1889. O marechal Deodoro da Fonseca, no Campo de Santana, no Rio, reúne 600 militares e uns poucos civis para destituir a Monarquia brasileira, sem derramar uma gota de sangue. Em cerimônia improvisada na Câmara Municipal carioca, a República é proclamada. Chegado o momento das comemorações, constata-se que não há símbolos para celebrar a mudança de regime. Canta-se "A Marselhesa", hino da França, e é hasteada uma bandeira com desenho semelhante à americana nas cores verde e amarelo. É urgente, percebem os republicanos, substituir os símbolos do regime.

Como narram os jornais da época, o povo brasileiro mal entendia o que se passava. Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Silva Jardim, protagonistas do movimento republicano que Brasil, eram pouco conhecidos dos brasileiros. "Ninguém parecia muito entusiasmado", anotou o correspondente do New York Times. "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que aquilo significava", escreveu Aristides Lobo no Diário Popular.
Na tentativa de conquistar o apoio da população até então alheia a troca de regime, os republicanos esforçaram-se nos meses seguintes para criar e difundir marcas da República – e apagar vestígios do Império de D.Pedro II. Cidades se encheram de estátuas e outros monumentos à República. Ruas, praças e repartições com referências à monarquia mudaram de nome. Mas as grandes apostas de exaltação da República seriam: uma nova bandeira, um novo hino e um novo herói – ou quase isso.

 A DEFINIÇÃO DE UMA NOVA BANDEIRA.

Assim como outros embates travados nos primeiros dias da República, foi marcada pelo conflito entre três correntes ideológicas: o jacobinismo (ligado à Revolução Francesa), o positivismo e o liberalismo. Partidários dessa última escola chegaram a cogitar uma bandeira brasileira semelhante à americana, com listras horizontais amarelas e verdes e um quadrado do lado esquerdo com as estrelas das federações. Como a proclamação fora liderada por militares positivistas e jacobinos, não caiu nada bem a ideia de subordinar o estandarte brasileiro ao norte-americano.


Outras versões foram propostas por defensores das diferentes vertentes ideológicas em conflito (veja abaixo). No fim, a vitória coube aos positivistas, que optaram por manter as cores e formas básicas da bandeira monárquica, retirando os emblemas imperiais: a cruz, a coroa, os ramos de café e tabaco. As estrelas, mantidas por insistência dos liberais, por lembrar a flâmula americana, foram colocadas em um círculo. E tascaram a mais positivista das inscrições: “Ordem e Progresso”. A obra foi do pintor Décio Villares.
Bandeira imperial 
·         Verde - A Casa de Bragança (Dom Pedro I)
·         Amarelo - A Casa de Habsburgo (Dona Leopoldina)
·         Losango - Remete às bandeiras do exército napoleônico
·         Brasão azul com a esfera armilar - Presente desde a bandeira do Principado do Brasil, remete à tradição portuguesa
·         Cruz vermelha - Referente à ordem de Cristo
·         Anel azul carregado com 20 estrelas de prata - Referentes às 20 províncias do Brasil
·         Dois ramos - um de café, o outro de tabaco, representando a agricultura brasileira


Bandeira republicana 


·         Verde e amarelo - Interpretações a posteriori atribuíram as cores às riquezas naturais e minerais do país. Essa explicação, porém, não constava da justificativa de Teixeira Mendes para a nova bandeira

·         Estrelas no céu azul - Reprodução do céu do Rio de Janeiro na manhã de 15 de novembro de 1889, com as estrelas representando os Estados da Federação

·         "Ordem e Progresso" - A influência dos positivistas na proclamação da República. Augusto Comte (1798-1857), principal ideólogo do positivismo, escreveu: “O amor por princípio, a ordem por base, e o progresso por fim”. No caso brasileiro, deixaram de fora o amor.

Coube a Teixeira Mendes, um filósofo positivista, a tarefa de justificar o emblema. Escreveu: “...o símbolo nacional devia manter do antigo tudo o que pudesse ser conservado, de modo a despertar em nossa alma o mais ardente culto pela memória de nossos avós. Mas, por outro lado, devia também eliminar tudo quanto pudesse perturbar o sentimento da solidariedade cívica, por traduzir crenças que não são mais partilhadas por todos os cidadãos. Foi justamente o que se fez.”
O símbolo não foi aceito por todos. Duas polêmicas foram levantadas à época: um astrônomo contestou as dimensões do Cruzeiro do Sul na bandeira, dizendo que o eixo da constelação em relação ao polo sul estava invertido (o erro foi comprovado e a bandeira que usamos hoje foi modificada para corrigi-lo). Outra controvérsia foi que o bispo do Rio de Janeiro se recusou a abençoar a nova bandeira por causa da divisa "Ordem e Progresso". Para ele, tratava-se de apologia à Igreja positivista.
No final, apesar da inspiração positivista, as cores da bandeira monárquica foram preservadas: o verde e o amarelo, a despeito de interpretações posteriores que tentam ligá-los às riquezas naturais do país, remetem originalmente às casas imperiais de Bragança e Habsburgo.

Velho novo hino


POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, a manutenção do hino nacional monárquico foi uma vitória popular. Proclamado o novo regime, não havia uma composição oficial para glorifica-lo. A primeira adotada nos eventos oficiais foi A Marselhesa, emprestada da Revolução Francesa. O governo abriu então um concurso para a escolha de um novo hino. Mas um evento popular acabou mudando os rumos dessa história.
Em uma manifestação militar em 15 de janeiro de 1890, ao ouvir novamente A Marselhesa e outras marchas militares, a multidão começou a pedir, como quem pede "toca Raul!", pelo velho hino nacional. Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, decidiu deixar rolar. Há relatos de que presentes até choraram de emoção.
Na audição pública do concurso que havia sido marcado, conta-se que a qualidade média das canções era sofrível. Resultado: se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, o hino fica. A composição de Francisco Manuel da Silva,de 1822, foi mantida e a ela foi acrescentada letra de Joaquim Osório Duque-Estrada.
O concurso do governo para o hino nacional tornou-se, então, uma disputa para eleger certo hino da proclamação da República. Em 20 de janeiro de 1890, membros do governo provisório e uma plateia que lotou o auditório do Teatro Lírico reuniram-se para escolher o vencedor. Ganhou a composição de Leopoldo Miguez, para letra de Medeiros e Albuquerque, cujo refrão diz: 'Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós!'
Após a execução do novo hino da Proclamação da República, o povo puxou o hino nacional, como acontecera no evento militar dias antes. Não tinha para ninguém contra o maior hit do patriotismo brasileiro.

A invenção de um herói


OS PRINCIPAIS IDEALIZADORES DA REPÚBLICA, Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Benjamin Constant, não eram figuras conhecidas além dos círculos militares. A pouca participação popular tornava difícil a consagração de um mito, importante para a aceitação do novo regime. "Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referências, fulcros de identificação", escreveu o historiador José Murilo de Carvalho.
Tiradentes, único dos inconfidentes mineiros condenado à morte, surpreendentemente, caiu como uma luva para o papel de herói.
O mito em torno de sua figura foi criado após sua morte. O mineiro passara quase um século na obscuridade, como traidor da monarquia. Como não havia registros de sua imagem e seus pensamentos, a República teve liberdade para criá-los: tornou-se um idealista pela liberdade do Brasil e suas representações passaram a se assemelhar com as da figura de Cristo — cabelos longos, castanhos, olhar cândido, vestes brancas, crucifixo no peito.
A República se apropriou de Tiradentes como o mártir da República. Foi a mais eficaz das tentativas dos republicanos na construção de um imaginário para o novo regime.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O que houve em Palmares?


Corria pelos engenhos e senzalas da capitania de Pernambuco a notícia de que, para o lado das serras, na região dos palmares, havia um refúgio. Um lugar onde era possível  viver fora do poder dos senhores de engenho e manter vivas tradições africanas recriadas na América. Lá, uma nova sociedade era construída: guerreiros, agricultores, comandantes de guerra, líderes religiosos, etc.

Aquelas povoações foram chamadas de mocambos, acampamentos que poderiam ser desmontados e montados em outras regiões, como estratégia de fuga ou de busca por melhores terrenos. 



 Chegar a essa zona de vegetação de palmares não era tarefa fácil. Após fugir dos engenhos, era necessário trilhar caminhos íngremes e fechados pela mata. Qualquer descuido poderia resultar em recaptura ou morte, pois havia pessoas dedicadas especialmente à perseguição de escravos fugitivos, como os capitães do mato. Mesmo assim, muitos conseguiram chegar ao local, incluindo índios e pessoas livres.  Nos mocambos, os habitantes extraiam dos palmares fibras e palmitos, além de produzir vinho e óleo.

O governo de Pernambuco não aceitava a existência desses mocambos. E, no final do século XVII, contratou o bandeirante Jorge Velho e os demais bandeirantes. O bandeirante assinou um contrato se comprometendo  a destruir os mocambos de Palmares. Em troca, receberiam prisioneiros, terras e benefícios da Coroa.


Em 1694, os homens de Jorge Velho atacaram o mocambo principal de Palmares, localizado no Outeiro do Barriga. Lá estavam Zumbi e seus exército, na capital conhecida como Macaco, protegidos por uma cerca alta que rodeava o local, à espera do ataque. Para rompê-la, os paulistas decidiram subir até o local carregando dois pesados canhões. Após horas de combate entre os que estavam do lado de fora  e do lado de dentro da cerca, as tropas a serviço da Coroa conseguiram entrar em Macaco. Seu principal objetivo era capturar ou matar Zumbi, para provar que Palmares havia sido derrotado. Mas não o encontraram. Estaria ele morto? Teria escapado?


Alguns acreditam que Zumbi havia se suicidado pulando de um penhasco. Teria preferido morrer assim a ser capturado ou morto pelos inimigos. Mas, documentos atestam, que um ano depois, em 1695, um habitante de Palmares que havia sido capturado foi obrigado a ajudar os homens a serviço da Coroa, e informou onde Zumbi estava escondido. Em uma emboscada, o líder palmarino foi capturado e morto. Sua cabeça foi exposta em Recife, para que todos soubessem – principalmente os escravos – que o refúgio de Palmares estava definitivamente destruído.