quarta-feira, 31 de outubro de 2012


1534

O Ato de Supremacia de Henrique VIII

 Ao contrário da reforma alemã, a reforma inglesa não se originou da busca espiritual de um homem que queria conhecer a Deus mais profundamente. Surgiu de uma combinação de desejo pessoal, conveniência política e clima espiritual de uma nação.

A disposição da Inglaterra era de se afastar da Igreja Católica. John Colet, pároco da Igreja de São Paulo, insistia na reforma do clero e no retorno ao estudo da Bíblia. Um grupo de estudiosos de Cambridge, que seguia os ensinamentos de Lutero, ficou conhecido por "Pequena Alemanha". O clero, surpreso, não foi capaz de deter a expansão da Reforma.

Contudo, o rei da Inglaterra, Henrique VIII, tinha pouco interesse em mudanças no campo espiritual. Em 1521, atacou a idéia de Lutero com relação aos sacramentos e recebeu do papa o título de "Defensor da Fé". Seu interesse em questões espirituais era mínimo.

Depois da morte de seu irmão, Henrique se casou com sua cunhada, Catarina de Aragão. Eles não tiveram filhos, o que impedia que Henrique de ter um sucessor ao trono. Atraído por Ana Bolena, o rei procurou se livrar da esposa estéril, para conseguir outra que pudesse lhe dar herdeiros. Com a justificativa de que não poderia ter se casado com a viúva de seu irmão mais velho, citando Levítico 20.21 como fundamento bíblico para sua posição, pediu ao papa que lhe concedesse o divórcio.

O papa temia enfurecer o imperador do Sacro Império Romano, Carlos V, sobrinho de Catarina, e terminou por impedir que o rei inglês alcançasse seu intento.

Henrique, impaciente, decidiu nomear Tomás Cranmer para a posição de arcebispo de Cantuária, e o novo arcebispo concedeu o divórcio ao rei. Henrique, rapidamente, casou-se com Ana, e, no mesmo ano — 1533 — ela deu à luz uma criança, Elisabete.

Em 1534, o Parlamento inglês promulgou o Ato de Supremacia, declarando que o rei era "o chefe supremo da Igreja da Inglaterra". Isso não significava que o rei pretendia implementar mudanças teológicas radicais na igreja. Ele simplesmente queria uma igreja estatal sobre a qual o papa não tivesse autoridade. A lei que trouxe uniformidade à nova igreja, o Estatuto dos seis artigos, mantinha o celibato do clero, a confissão de pecados aos sacerdotes e as missas particulares.

Contudo, é preciso destacar que Henrique acabou com os mosteiros, que se tornaram símbolo do hedonismo e da imoralidade. O rei não levou em conta a preocupação de muitos cristãos dedicados com relação a esse assunto. Em vez disso, tomou as terras da igreja. Depois de fechar os mosteiros, confiscou as propriedades e colocou o dinheiro no tesouro real. As terras foram passadas aos nobres em troca de lealdade ao rei.

Com o intuito de promover o nacionalismo inglês, Henrique ordenou que a Bíblia em inglês fosse colocada em todas as igrejas.

Embora Henrique não tenha feito isso por razões de escrúpulo, ele criou uma igreja que não era mais a Igreja Católica Romana. Nos anos que se seguiram, a filha mais velha de Henrique, Maria, tentaria levar a Inglaterra de volta ao catolicismo, mas isso não durou muito tempo. Uma vez separada do papa, a Igreja da Inglaterra não mais se juntou a ele. As sucessivas ondas de Reforma na Inglaterra foram rápidas e tumultuadas. Como veremos nos capítulos a seguir, essas ondas promoveram uma riqueza e uma diversidade de expressão cristã, que, certamente, teriam deixado Henrique perplexo.



1517

Martinho Lutero afixa As noventa e cinco teses

"Tão logo a moeda no cofre ressoa, a alma sai do purgatório." Essa era a curta mensagem musicada de propaganda de João Tetzel, o homem autorizado a conseguir dinheiro para construir uma nova basílica em Roma. Seu esquema para o levantamento de fundos — a venda de indulgências — era, simplesmente, a venda do perdão. "Faça com que os seus entes queridos, que já partiram, saiam do purgatório por uma pequena taxa e ganhe algum crédito adicional para os seus pecados."
A corrupção reinava na igreja. Os cargos eclesiásticos eram comprados por nobres ricos e usados para alcançar mais riqueza e mais poder. Um desses nobres foi Alberto de Brandemburgo, que pedira dinheiro emprestado para se tornar arcebispo de Mainz e que precisava encontrar um modo de pagar seu empréstimo. O papa autorizou a venda de indulgencias na região de Alberto, contanto que metade do dinheiro coletado fosse usada para a construção da Basílica de São Pedro em Roma. O restante do valor levantado iria para Alberto. Todos estavam felizes, a não ser certo número de alemães devotos, dentre os quais estava Martinho Lutero.

Tetzel, monge dominicano e pregador bastante popular, tornou-se o comissário das indulgências. Ele viajava de cidade em cidade, proclamando seus benefícios: "Ouça a voz de seus entes queridos e amigos que já morreram, suplicando-lhes e dizendo: 'Tenha pena de nós, tenha pena de nós. Estamos passando por tormentos horríveis dos quais você pode nos redimir, contribuindo com uma pequena esmola'. Vocês não desejam fazer isso?".

Lutero, sacerdote e professor de Wittenberg, opunha-se totalmente à venda das indulgências. Quando Tetzel chegou àquela localidade, Lutero redigiu uma lista de 95 queixas e a afixou na porta da igreja, que também servia como quadro de avisos da comunidade. O perdão divino certamente não poderia ser comprado e vendido, dizia Lutero, uma vez que Deus o oferece gratuitamente.

indulgências, porém, eram apenas a ponta do iceberg. Lutero se rebelava contra toda a corrupção da igreja e pressionava para que uma nova compreensão da autoridade do papa e das Escrituras fosse adotada. Tetzel saiu logo de cena (morreu em 1519), mas Lutero prosseguiu, vindo a liderar uma revolução religiosa que mudou radicalmente o mundo ocidental.

Lutero nasceu em 1483, em uma família de camponeses em Eisleben, Alemanha. Seu pai, um mineiro, levou-o a estudar Direito, enviando-o à Universidade de Erfurt. Contudo, o fato de ele ter sido poupado da morte quando um raio caiu muito próximo dele fez com que Lutero mudasse de idéia. Ele entrou para um mosteiro agostiniano em 1505, tornando-se sacerdote em 1507. Reconhecendo suas habilidades acadêmicas, seus superiores o enviaram para a Universidade de Wittenberg a fim de que obtivesse o diploma em Teologia.

A inquietação espiritual que atormentava outros grandes cristãos, ao longo de todas as eras, também influenciou Lutero. Ele estava profundamente consciente do próprio pecado, da santidade de Deus e de sua total incapacidade de obter o favor divino. Em 1510, Lutero viajou para Roma e ficou desiludido com o tipo de fé mecânica que encontrou ali. Fez tudo o que pôde para ser verdadeiramente piedoso. Subiu, até mesmo, a escada de Pilatos, em que Cristo supostamente caminhou. Lutero orava e beijava cada degrau à medida que prosseguia, mas, mesmo ali, suas dúvidas ainda fervilhavam.

Poucos anos depois, voltou para Wittenberg como doutor em Teologia, para ensinar disciplinas relacionadas à Bíblia. Em 1515, começou a lecionar sobre a epístola de Paulo aos Romanos. As palavras de Paulo consumiram a alma de Lutero.

"Minha situação era que, apesar de ser um monge impecável, eu me punha diante de Deus como um pecador perturbado por minha consciência e não tinha confiança de que meus méritos poderiam satisfazê-lo", escreveu Lutero.

"Noite e dia eu ponderava, até que vi a conexão entre a justiça de Deus e a afirmação de que Ό justo viverá pela fé'. Então, entendi que a justiça de Deus é a retidão pela qual a graça e a absoluta misericórdia de Deus nos justificam pela fé. Em razão dessa descoberta, senti que renascera e entrara pelas portas abertas do paraíso. Toda a Escritura passou a ter um novo significado [...] esta passagem de Paulo tornou-se, para mim, o portão para o céu".

Assim, mais confiante em suas crenças e com algum apoio de seus colegas, Lutero sentiu-se livre para falar contra a corrupção. Ele já criticava a venda de indulgências e a adoração das relíquias mesmo antes de Tetzel aparecer em sua região. Tetzel simplesmente fez com que o conflito alcançasse uma posição de destaque. As noventa e cinco teses de Lutero eram profundamente restritas, caso consideremos a sublevação que provocaram. Afinal, eram apenas um convite ao debate.

Ele realmente conseguiu um debate, primeiramente com Tetzel e, mais tarde, com o renomado estudioso João Eck, que acusou Lutero de heresia. No primeiro momento, parecia que Lutero esperava que o papa concordasse com ele sobre o abuso na questão das indulgências. Conforme a controvérsia continuou, Lutero, porém, solidificou sua oposição ao papado. Em 1520, o papa emitiu uma bula (decreto) condenando as idéias do monge alemão, e Lutero a queimou. Em 152 1, a Dieta (concilio) de Worms ordenou que Lutero se retratasse. Ali, segundo a lenda, Lutero afirmou: "Não posso fazer outra coisa. Aqui estou. Deus me ajude. Amém".

Depois disso, Lutero foi excomungado, e seus escritos foram banidos. Para sua proteção, foi levado à força por seu patrono Frederico, o Sábio, e ficou escondido no castelo de Wartburg. Ali, ele trabalhou em outros escritos teológicos e na tradução do Novo Testamento para o alemão popular.

Contudo, a batalha apenas começava. Quando ousou fazer oposição ao papa, Lutero despertou os sentimentos de independência tanto nos nobres alemães quanto no povo em geral. A Alemanha se tornou uma colcha de retalhos, à medida que alguns nobres apoiaram Lutero e outros permaneceram leais a Roma. A Reforma já estava em preparação também na Suíça, liderada por Ulrico Zuínglio. A igreja e o Sacro Império Romano voltaram sua atenção para as batalhas políticas que se estenderam por toda a década de 1520. Quando decidiram agir de forma enérgica contra os reformadores, já era tarde demais.

Uma reunião realizada na cidade de Augsburgo, em 1530, chegou perto de fazer com que a causa luterana voltasse a ficar sob a tutela romana. Filipe Melâncton, amigo de Lutero, preparou uma afirmação conciliatória das idéias de Lutero, apresentando seu ponto de vista como um posicionamento fiel ao catolicismo histórico. Porém, o concilio católico exigiu concessões que Lutero não faria, e a ruptura se tornou definitiva.

Em retrospecto, parece que os acontecimentos da Reforma devem muito à personalidade única de Lutero. Se não fosse sua dúvida profunda, talvez jamais tivesse garimpado as verdades das Escrituras como fez. Sem seu zelo pela justiça, talvez nunca afixasse seu protesto na porta da catedral. Sem sua impetuosidade, talvez jamais atraísse um número significativo de seguidores. Ele viveu em um tempo propício às mudanças e era o homem indicado para fazer com que acontecessem

terça-feira, 2 de outubro de 2012


O artista da Capela Sistina – a historia de Michelangelo.

            Certa manhã no inverno de 1494, o jovem Michelangelo Buonarroti olhava pela janela a cidade coberta de branco. A neve que caíra durante a noite inteira cobria as ruas, praças, igrejas e palácios, transformando Florença numa cidade de mármore. Mas a bela paisagem entristecia Michelangelo, pois lhe recordava que se amigo e patrono, o duque Lorenzo de Médici, não mais existia. Lorenzo fora o primeiro a reconhecer o talento do jovem escultor, recebera-o em seu palácio e lhe encomendara várias esculturas em mármore.

            Agora, depois da morte do duque, seu filho Piero assumira seu lugar. Piero era um bobo vaidoso e não via utilidade para artistas da estatura de Michelangelo. Gostava de festas, jogos e cavalos, e admirava mais um cavalariço que sabia montar bem do que um mero escultor.

            Uma batida na porta despertou Michelangelo do devaneio. Pela janela, viu que era um dos impudentes mensageiros de Piero. O mensageiro olhou para cima e, dando com o escultor na janela, gritou: _Desça aqui, Michelangelo! É o seu dia de sorte. Piero me mandou buscar o famoso escultor para encomendar uma estátua!

            _ Ande logo! – tornou a gritar o mensageiro. – Rápido! Sua Magnificência não vai esperar a vida inteira!

            _Tem certeza? – perguntou Michelangelo. _ Piero nunca me chamou ao palácio.

            _ Pois está chamando agora, meu amigo. Tem um bloco de mármore enorme para você usar seu dom. Ande logo!

            _ Michelangelo vestiu o manto e correu escada abaixo e seguiu o mensageiro em silencio, mas seu coração saltava a cada passo.

            _ É o seu dia de sorte, hein? – escarnecia o mensageiro, cruzando a praça, cheia de neve. – Trabalhar de novo para a nobre família Médici; pode existir coisa melhor?

            Pouco depois chegaram ao palácio. Encontraram Piero com alguns amigos, junto à janela de um aposento do segundo andar.

            _ Aí estar! – exclamou Piero. – Deve ter pensado que eu nunca chamaria voce, jovem mestre! Mas estamos precisando da sua arte hoje. Você tem mesmo muito talento, não tem, meu amigo?

            Michelangelo olhou diretamente nos olhos de Piero.

            _Seu pai achava que sim – respondeu, sério.

            Piero enrubesceu levemente, mas virou-se para a janela e continou: _ Vou dar um jantar essa noite e quero mostrar uma bela estátua sua aos meus convidados. O material está no jardim: camadas de mármore branco com que voce tanto sonha, cobrindo todo o chão. É claro que amanhã de manhã o sol derreterá sua obra de arte, mas nada dura para sempre, não é verdade, mestre?

            Michelangelo empertigou-se. Não podia crer no que ouvia. Ele, Michelangelo, o orgulho de Florença, fazer uma estátua de neve!         

            Sentiu a raiva subir em seu peito, apertar seu coração, prender sua respiração, contrair sua garganta. Viu o sorriso zombeteiro de Piero, e seus amigos. Teve vontade de matar, esmagar todos eles, fazê-los sentir sua fúria. Mas não ousava. A vergonha tomou o lugar da raiva, queria sair correndo, se esconder e nunca mais ser visto por aquele bando de tolos arrogantes.

            Alguma coisa dentro dele no entanto o fez permanecer ali. Era um momento difícil de suportar, mas Michelangelo confiava em si mesmo. Sabia possuir um talento raro e nada seria obstáculo à sua arte. As ondas de raiva e humilhação se desfizeram, e ele encontrou uma resposta: _ Atenderei ao seu pedido, nobre Médici.
            Abandonou-os e momentos depois chegava ao jardim, aliviado por estar só, o olhar fixo no imaculado lençol branco estendido a seus pés.

            _ Vou mostrar o meu talento – murmurou. _ Até a neve serve à minha arte.

            Começou a trabalhar com presteza. Empilhou a neve, fez um monte bem batido, empilhou mais, socou mais. Passou horas empilhando neve até conseguir um bloco enorme e bem rígido, com os de mármore.

            Começou a esculpir, com o melhor de seu talento. Uma cabeça emergiu, os braços, mãos, pés. A massa de gelo ganhava vida. Uma figura vigorosa nascia no jardim. Afastava-se para avaliar o trabalho e voltava,  alheio a tudo, exceto à sua arte. Enfim ficou pronta a enorme estátua de neve.

            Deu por terminada. Era um belo trabalho. Amanhã nada restaria dele, mas, por algumas horas, faria Florença mais bela.

            Uma exclamação de assombro arrancou Michelangelo da contemplação da própria obra. Piero estava parado, atrás dele, boquiaberto diante do imenso homem de neve. O sorriso de escárnio tinha se transformado num brilho de admiração nos olhos de Piero, mas o olhar deslumbrado logo deu lugar a uma nuvem de tristeza.

_ Neve! ... Neve, não – murmurou. _ é uma coisa tão bela devia durar para sempre.

            Os anos se passaram. Michelangelo conquistou a admiração de toda a Itália. Um dia foi chamado a Roma para atender a uma encomenda do papa Júlio II. Cheio de entusiamo, foi às minas de mármore de Carrara, disposto a selecionar os melhores blocos. Encantando com as pedras gigantecas, via no interior de cada uma um ser à espera da libertação por meio do seu cinzel. Passou seis meses examinando, escolhendo, comprando, rejeitando, a mente repleta de imagens futuras.

            Quando chegou a Roma, porém, o papa havia mudado de idéia. Levou-o à Capela Sistina, um grande retângulo de altas paredes e teto em abóboda.

            _ Vamos decorar o teto! – disse o papa. – Voce vai pintá-lo. Michelangelo empalideceu.

            _Mas sou escultor! – protestou. – Não sou pintor.

            _ Voce não aprendeu a misturar tintas com mestre Ghirlandaio? É só lembrar o que ele lhe ensinou!

            _ Mas não pinto há muitos anos! Chame Rafael. Ele é excelente pintor.

            _ Claro que não. Rafael está ocupado. Além disso, vi muitos desenhos seus. São os melhores.

            Michelangelo olhou para o teto alto. Centenas de metros quadrados para cobrir de pinturas – levaria meses. Pensou nos blocos de mármore, que estariam parados, inúteis por todo esse tempo, e estremeceu. Não era o que queria fazer! Mas engoliu a raiva e o desapontamento. Não era fácil dizer não ao papa, principalmente a um papa tão insistente. E aceitou, mas com o coração pesado.

            E lá se foi Michelangelo escada acima, para pintar deitado num andaime. Era um trabalho torturante. As tintas caíam em seu rosto, queimavam seus olhos, e cada vez ele odiava mais aquela missão.

            _ Sou escultor, não pintor! – resmungava.

            Havia muitos anos não pintava, e receava não ser capaz. Pediu ajuda a outros artistas, mas logo descobriu que atrapalhavam mais do que ajudavam. Dispensou-os e apagou tudo que haviam feito. Trabalhando sozinho, em contato somente com seu ajudante de preparo de tintas e com o papa. “Se vale a pena ser feito, vale a pena ser bem feito”, dizia a si mesmo. E prosseguia deitado, pintando no silencio e na solidão.

            Um dia viu, horrorizado, que a superfície recém-pintada começava a mofar.

            _ Eu avisei a Sua Santidade que não sou pintor! _ gritou _.  _ Tudo que já fiz está estragado! _ Mas em seguida descobriu que apenas tinha posto água demais no gesso e não prejudicara o resultado.

            E prosseguiu. Começava a pintar ao raiar do dia e só parava quando não enxergava mais as cores. Muitas noites nem saía da capela. Acostumou-se tanto à incômoda posição  que, quando recebia uma carta, inclinava a cabeça para trás e levantava a carta para ler. Mal parava para comer, contentando-se geralmente com um pedaço de pão. Adoeceu de exaustão. Mas prosseguia.

            Às vezes o papa, muito impaciente, subia ao andaime para fiscalizar a obra.

            _Quando vai terminar? – e era invariável pergunta.

            _ Quando eu acabar! – era invariável resposta.

            Gradualmente emergiam do teto as mais perfeitas formas criados por mãos humanas. Deus Pai separando a luz e as trevas; a criação de Adão e Eva; a expulsão do paraíso; o dilúvio. Uma após outra, iam surgindo do pincel de Michelangelo mais de trezentas figuras, sublimes, plenas de força e grandiosidade das esculturas do mestre.

            Passados quatro longos anos de fadiga e isolamento, a imensa tarefa foi terminada. O andaime foi retirado, as portas da Capela Sistina foram abertas. As pessoas vinham olhar, boquiabertas diante da magnitude da obra de arte. Quando Rafael apareceu – mesmo Rafael que Michelangelo pedira ao papa que contratasse em vez dele -, agradeceu a Deus ter nascido no mesmo século que Michelangelo.

            Ainda hoje as multidões que visitam a Capela Sistina admiram o teto, extasiadas diante da obra de um único homem cobrindo tamanho espaço com tanta maestria artística, trazendo à vida tantas visões grandiosas. Calam-se maravilhados perante o resultado da determinação e do gênio de um homem, das pinturas mais magníficas do mundo criadas pelas mãos de um escultor.